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Síntese sobre o panóptico social na era da exposição

Somos vigiados pelos nossos próprios amigos.



A ideia de panóptico social vem de uma teoria que levantei alguns anos atrás: vivemos uma época em que a exposição do cotidiano ganhou o interesse da sociedade. Chamo isso de “era da exposição”.

Chegamos nesse cenário por conta não só do surgimento de plataformas de redes sociais, mas pela evolução da própria sociedade. Da valorização da imagem para a sociedade do espetáculo e por aí adiante. Na televisão essa valorização do cotidiano teve início com os reality shows. A onda era ver gente comum. Um recorte amplificado do que é parte da realidade cotidiana.

Daí, do reality show para os blogs e perfis nas redes sociais foi um pulo natural. Agora o show da vida cotidiana e da loucura de cada um de nós é exposta para milhões sem a necessidade de passar pelo aval de uma emissora de TV.

Pois bem, tudo isso já é realidade.  Nos vemos no seguinte cenário: somos vigiados pelos nossos próprios amigos.

Quando você acessa o twitter, facebook ou google+, a primeira tela que lhe aparece não são informações suas ou então notícias da imprensa. São as publicações dos demais usuários. Você é convidado pela plataforma a constantemente acompanhar o que os outros estão expondo a cada minuto.

As adolescentes já ganharam o costume de publicar fotos do seu “look do dia” e esperar pela “reação” da sua audiência nas redes.

Esse comportamento faz com que não só o estilo visual, mas todo o comportamento daquela pessoa seja pautado pela opinião do outro. Nada mais natural do que já acontece há décadas dentro de qualquer escola. A diferença é que o meio digital oferece uma amplificação dessa exposição. A audiência agora não são apenas os colegas da escola, da mesma idade e perfil social. A audiência agora é global e ainda estamos descobrindo as possíveis ramificações que isso pode gerar. Muda também a velocidade com que a evolução do processo social ocorre. O desenvolvimento da moda, por exemplo, ganha uma nova dinâmica com a interferência do compartilhamento nas redes. Os mais conservadores ficariam aterrorizados em ver a rapidez com que o tamanho de uma mini saia diminui e o decote aumenta dentro de um instagram ou dujour.

Outro ponto: o costume em opinar frequentemente sobre o que é publicado pelos amigos vai se intensificando a ponto de abrir espaço para as críticas. Passa a ser “natural” criticar nas redes as atitudes do outro. Algumas vezes chega a ser uma espécie de bullying disfarçado de auto-regulamentação da moral nas redes.

É claro, há por trás disso situações clássicas e atemporais, como o confronto das classes sociais. Conforme cresce a popularização dos smartphones e consequentemente das redes sociais, mais choques culturais ocorrerão.

Porém não é só isso, há ainda uma indefinição em jogo na relação do discurso privado e  público.  Estamos - ainda - definindo limites, e em situações assim, cometemos exageros, tanto do lado de quem publica quanto de quem critica. Há o caso da carteirada da blogueira da Capricho, do post com dias de como viajar com babás e o vídeo do menino Nissin e a baleia. Além destes, vale refletir sobre as consequências do panóptico social (que se transformou num verdadeiro cyberbullying) ocorrido numa única foto publicada pela menina Julia Gabrielle.

Enfim, somos vigiados. Não só pelo governo. Antes pensávamos que a vigilância ganharia real abrangência conforme o desenvolvimento tecnológico. Estávamos certos, mas acreditávamos que haveria por trás um único órgão gestor da vigilância. Quem sabe um governo autoritário, ou talvez as próprias máquinas quando alcançassem autonomia e inteligência. Pois bem, hoje o poder maior que nos rege é a própria sociedade em rede. Nada mais óbvio. Ponto para Manuel Castells e Pierre Lévy.

Eu já disse num outro texto: estamos constituindo uma sociedade da vigilância, semelhante às ideias
de Foucault, porém agora o modelo do panóptico é social, é colaborativo. A sociedade vigia a si mesma, através das redes sociais. O "grande irmão" (de George Orwell), no final das contas, somos nós
mesmos.

O controle parece o mesmo de sempre, mas foi amplificado e tornou-se público. Mães e pais sentem-se inseguros com o que seus filhos publicam nas redes. Um delinquente marginal, um assaltante ou um pedófilo podem começar a “stalkear” e tentar uma aproximação pelas redes.

Já por sua vez, filhos de todas as idades, sentem-se completamente expostos frente a seus amigos por conta do que seus pais publicam nas redes. Uma mãe que “curte” tudo aquilo que o filho publica pode causar uma desmoralização do filho sem se dar conta disso.

Ambos os casos são motivos suficientes pra tanto pais como filhos começarem a criticar e controlar o que o outro torna público nas redes.

Piores são os casos em que a exposição ganha proporções que ultrapassam o círculo de amizade daquela pessoa. Quando isso acontece, as críticas ganham de fato um aspecto de linchamento social. Merecido talvez, mas nem sempre.

Quem já vivencia o ambiente das redes sociais no dia-a-dia - talvez - esteja mais maduro para compreender seus desdobramentos. Quem está criando agora seu perfil na rede corre risco de cometer gafes sociais por conta da sua ingenuidade com esse meio. Na ânsia de ajudar o amigo, os usuários "experientes" acabam às vezes ultrapassando o limite que separa o "mero conselho" do "controle social". Esse é o nosso panóptico social de todos os dias. Será que eu deveria ter publicado isso? ;-)




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