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A av. Paulista é um espelho do Facebook #VemPraRua #protestoSP #ChangeBrazil

A conversação das redes foi pra rua protestar, mas ainda não atingiu sua maturidade.



Esse não é um texto político. Faço aqui uma breve reflexão sobre a influência dos meios de massa e da comunicação em rede durante o processo de mobilização das recentes manifestações ocorridas em São Paulo.

Claro, os protestos ocorreram em todo o país, mas fico restrito aonde tenho mais propriedade, pois alguns dos fatos que vou ressaltar aqui foram exclusivos dos protestos paulistanos.

Ao ser breve nessa minha apresentação de ideias, incorro em falhas no discurso e má interpretações. Assumo esse risco em prol de que você leia até o fim.

O fato é que no princípio, as manifestações tinham um foco bem claro e definido: discutir o aumento da tarifa dos transportes públicos. Outro fato: durante as primeiras passeatas, alguns manifestantes chegaram a depredar espaços públicos e privados.

Por conta dessa depredação, o evento ganhou atenção da imprensa. Na quinta-feira (13/06/13) a manifestação foi fortemente oprimida pela polícia e tudo foi acompanhado pela população através dos veículos de massa.

Essa exposição foi amplificada nas redes sociais e ganhou destaque em meio à conversação frequente e contínua, própria desse meio. O assunto era a repressão policial e a generalização da imprensa ao rotular os manifestantes como vândalos.

Isso foi motivo para que dentro do Facebook, fosse criado um movimento em prol daqueles manifestantes do dia anterior. Estava dado aí, o início de uma mobilização que ganhou proporções nunca antes vistas pelos brasileiros nas redes sociais.

O evento criado no Facebook convocava os jovens a irem às ruas, aumentar o coro dos descontentes. E assim aconteceu. Na segunda semana de manifestações, o número de participantes alcançou algo pouco visto nas últimas décadas. A ilustração utilizada pelos próprios jovens foi: “o gigante deitado em berço esplendido havia finalmente, acordado”.

Note como há, nessa cronologia de fatos, um papel muito importante e simbiótico na relação dos meios de massa e das plataformas das redes sociais. É a imprensa através do veículo de massa que consegue acionar uma grande quantidade de pessoas a favor de um mesmo assunto. E as redes por sua vez, permitem a mobilização do povo numa velocidade nunca antes assistida por qualquer governo.

É essa organização e propagação de informações através das redes sociais que gerou grandes e importantes manifestações nos últimos anos como o #occupyWallStreet (EUA), #occupyGezi (Turquia), as revoltas no Egito, Tunísia etc.

Porém, a agilidade da mobilização por vezes pode impedir a maturidade do discurso.

Acredito que alguns daqueles que participaram das manifestações da segunda semana provavelmente tiveram a impressão de estarem num Facebook a céu aberto. Seja no Largo da Batata, na av. Paulista ou na ponte estaiada, o que se via era uma massa enorme de pessoas que vista de perto, era formada por centenas de microgrupos. Amigos que se reuniram por conta da insatisfação com o governo, mas que muitas vezes o foco da insatisfação não era o mesmo dos outros grupos ali presentes.

Assim, em meio à caminhada, esses grupos conversavam e discutiam os ideais daquele movimento. Bem ao modo como fazemos nas redes sociais, só que ao vivo, no meio da av. Paulista.

Cada um estava presente por uma causa diferente. Alguns chegaram a reivindicar o direito de definir o propósito da manifestação, mas ninguém chegou a um acordo. Tanto é assim que muitas vezes era difícil até definir qual rumo a passeata iria tomar, quais ruas percorrer. E após alcançar o ponto final da passeata, ninguém sabia a hora de ir embora.

A cada manifestação, o que se via no dia seguinte era o desenrolar do debate nas redes sociais. Vale ressaltar que por natureza, tais espaços são pluritemáticos, porém o que se viu durante aquela semana é que não havia outro assunto dentro do Facebook que não envolvesse as manifestações.

A mim, toda essa discussão nas redes (e nas ruas) me soa como a construção em tempo real da inteligência coletiva muito discutida pelo filósofo Pierre Lévy. Porém neste caso, no que se refere exclusivamente à construção de uma consciência política.

Assim, o que pretendo alcançar com esse texto é: Lévy, provavelmente concordaria comigo em dizer que o tempo é essencial para a construção do conhecimento coletivo.

O desenvolvimento desse conhecimento crítico exige tempo para a reflexão e com isso, alcançar maturidade. Quando ela é ainda emergente e foi pouco debatida, sofre com a ingenuidade e a cegueira.

É preciso lembrar que o tal “gigante adormecido” passou muito tempo distante da política e do pensamento crítico sobre os atos do governo. Ao revoltar-se contra a situação política do país, o gigante só consegue deixar evidente a sua insatisfação, mas não sabe ao certo o que exigir.

Nesse caminho pela construção do pensamento, surge mais uma vez a importância dos meios de comunicação.

A televisão já é velha conhecida da nossa sociedade. Por isso somos mais maduros na relação que construímos com esse meio. Não acreditamos em tudo o que vemos na TV (como fazíamos décadas passadas); e sabemos criticar quando, por exemplo, a imprensa generaliza os manifestantes chamando-os de vândalos. Não somos mais ingênuos em relação à TV. O mesmo não ocorre com as redes sociais.

Minha teoria é a de que somos ainda muito imaturos na relação com as redes sociais. Falta-nos ainda definir os limites desse meio. Por conta desse processo a caminho do amadurecimento, vivemos hoje o que caracterizei como “panóptico social”. Queremos moldar o discurso das redes. É crescente o hábito de expor o que se pode ou não, fazer/dizer nas redes. Hoje somos vigiados pelos nossos próprios pares.

Essa dinâmica do “panóptico social” parece ter invadido também as manifestações em São Paulo. Para evitar a ação de partidos que pretendiam tirar proveito da manifestação, declarou-se o grito de guerra “Sem partido!”. Isso estimulou o discurso apartidário e abriu espaço para uma vigilância contra toda e qualquer expressão a favor de algum ideal. O “panóptico social” instalou-se na av. Paulista de tal forma que cada causa levantada num cartaz, era criticada por algum grupo ali presente.

Isso causou um princípio de divergência entre os microgrupos e possivelmente pode até levar à pulverização do movimento, já que alguns grupos começaram a promover mobilizações paralelas.

De qualquer maneira, não nego meu orgulho em ver nascer nas redes sociais, uma mobilização que de fato gerou uma manifestação real, na av. Paulista, no Largo da Batata, na ponte estaiada e tantos outros lugares. Forte, constante e que deixou marcado o descontentamento de uma nação.

O que falta agora é validar o discurso. Construir naqueles jovens que se organizaram pelo Facebook um senso crítico sobre a política brasileira. Sei que entre os manifestantes, haviam jovens politizados que inclusive já faziam parte de movimentos políticos antes mesmo das manifestações. Porém estes jovens eram minoria. A grande massa que se organizou pelas redes sociais estava participando pela primeira vez de uma passeata contra o governo.

É preciso voltar para as redes e continuar a conversação. Persistir com o discurso político. Quem sabe inclusive desenvolver plataformas dentre da internet próprias para essa discussão, como sugere Luli Radfahrer em seu artigo "E agora? Voltamos para a internet?".

Falta estruturar o conhecimento coletivo de uma nação adormecida. Tenho certeza que as redes sociais continuarão a ter papel fundamental nesse processo.

OBS: Sei que as pessoas que se mobilizaram pelas redes não representavam a totalidade dos manifestantes. Outros grupos encontraram diferentes meios de organização e alguns dos eventos de protesto que ocorreram pela cidade nem mesmo chegaram a ser mencionados em redes como o Facebook. Isso mostra inclusive como as redes sociais são ainda no Brasil, uma realidade só para uma parte da população. Como disse no início, a mim interessava evidenciar exclusivamente a mecânica quando há interferência das redes, por isso, restringi  minha análise.


Crédito da imagem: G1

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