Já vou me adiantar e avisar que farei aqui breves críticas não ao filme nem seus atores. Minha análise se restringe à estratégia publicitária adotada nas mídias sociais. Para ser mais específico, a crítica reflexiva não se limita a este caso específico, mas às estratégias que temos adotado nas redes sociais para fazer propaganda.
O filme em si fez bastante sucesso no Festival de Gramado de 2012. Além da crítica especializada, "Colegas" deve atrair o público em geral a partir de março, quando deve estrear. A estratégia de publicidade para divulgação do filme também foi muito comentada essa semana. É isso que gostaria refletir aqui; e quero começar pelos pontos positivos.
Publicidade de filmes
O cinema é um daqueles mercados que poderiam tirar um proveito enorme das redes sociais para a divulgação do filme, mas até agora, poucos souberam fazer isso. "Colegas" é um filme que provavelmente vai provar essa minha teoria. A partir das redes sociais, é possível promover/estimular a colaboração e o compartilhamento espontâneo entre os futuros espectadores do filme utilizando como recurso a derivação da narrativa do próprio filme.
Derivando a narrativa e o roteiro
Em resumo, o filme "Colegas" fala sobre a vida e a realização do sonho de 3 personagens com síndrome de Down. Um deles quer ver o mar, outro voar e a personagem feminina quer casar.
Partindo desse mesmo mote, a campanha publicitária pretende estimular nas redes sociais a colaboração/mobilização do público para a realização de alguns sonhos:
1 - O sonho da distribuição do filme: dentro do portal de crowdsourcing Catarse, a produtora Gatacine abriu um projeto de captação de recursos para a distribuição do filme. O projeto não foi bem sucedido, já que conseguiu captar apenas R$8.310,00 e a meta era de R$100mil. Talvez o público não tenha compreendido a necessidade de apoio financeiro já que o filme já contava com alguns patrocinadores (Petrobras, Invest Image Caixa Seguros, Sabesp, Neoenergia, Prefeitura de Paulínia, Akzo Nobel, Net, KSB, Docol, Eaton, Libbs, Locaweb, CVC, Ferro + e Senac.) e inclusive contava com a participação de uma empresa de distribuição de filmes, a Europa Filmes. Nesse caso, é possível cogitar a possibilidade de que a criação do projeto de captação dentro do portal Catarse tivesse como objetivo não só a captação de recursos financeiros, mas também a divulgação do lançamento do filme simplesmente. Assim, podem não ter atingido o valor de 100mil, mas conseguiram divulgar o lançamento do filme dentro daquela comunidade.
2 - O sonho de conhecer Sean Penn: através da produção de um vídeo viral no Youtube e da hashtag #VemSeanPenn, promoveu-se na semana que passou, uma grande mobilização entorno da história real de um dos atores principais do filme com síndrome de Down: o sonho de conhecer o ator Sean Penn. A partir de um vídeo muito bem roteirizado, que inclui até a participação de atores "Globais", os usuários das redes sociais são convidados a espalhar a hashtag #VemSeanPenn para fazer com que a o convite do ator de "Colegas" chegue até Sean Penn.
Mais uma vez, por trás de toda essa narrativa (verídica ou não), está a comunicação da estréia do filme no dia 1o de março. Essa ação sem dúvida, fez mais sucesso do que o projeto no portal Catarse. Em menos de 48 horas o vídeo já contabilizava mais de 650 mil visualizações. Após 3 dias já eram mais de 900 mil visualizações.
2 - O sonho de conquistar um Oscar: Na página do projeto Catarse há indicações de perfis criados nas redes sociais para o que pode ser uma possível continuidade da campanha. Mais uma vez, baseados não na história do filme, mas na história do ator com síndrome de Down, a equipe de "Colegas" deve iniciar - após o lançamento do filme - uma campanha pelas redes sociais para promover a ida do ator para o Festival do Oscar. O perfil no Facebook e no Twitter já foram criados.
A manipulação da celebridade e do público
Uma ressalva importante que quero fazer sobre esse caso refere-se essencialmente a como temos utilizado os conceitos de colaboração, mobilização e compartilhamento nas estratégias de publicidade em mídias sociais.
Pare e pense: como deve ser para uma celebridade como Sean Penn, receber toda essa "pressão social" oriunda das redes sociais, sabendo que por trás disso há uma campanha publicitária para lançar um filme? Claro que atores como ele devem cobrar um alto cachê para participar de ações publicitárias, mas e nesse caso, em que o protagonista é um ator com síndrome de Down? Imagine que por conta de outros compromissos, ele não possa comparecer. Como ficará sua imagem perante todos os brasileiros que se mobilizaram para fazer o convite chegar até ele? Quem assistiu o viral #VemSeanPenn sabe o quanto ele é imbuído de recursos emocionais para mobilizar as pessoas a compartilhar o filme.
Particularmente preocupa-me outra questão: no campo publicitário, há algo muito importante a ser considerado: por valores éticos, não se deve envolver o nome de terceiros (uma celebridade internacional) numa estratégia de campanha publicitária sem o seu consentimento. Será então que Sean Penn já estava ciente de toda a campanha antes mesmo do envolvimento do público que compartilhou o vídeo? Nesse caso, qual será a reação do público quando souber que foi estimulado a fazer uma mensagem chegar até uma celebridade, quando na verdade, tudo isso já estava previamente programado?
OBS: vale lembrar que nada disso são constatações, mas apenas suposições minhas.
Murilo Benício, Rede Globo e Vivo
Essa campanha pode lembrar um outro caso publicitário recente, em que as agências VML e Y&R fizeram para a marca Vivo uma campanha publicitária em que o protagonista era o ator Murilo Benício interpretando seu personagem Tufão, da novela Avenida Brasil. Logo após a veiculação do filme, a Rede Globo solicitou a interrupção da campanha, pois ela não havia cedido direito de uso da imagem do personagem da sua novela.
Esse fato gerou bastante discussão no meio publicitário pois evidencia uma quebra de paradigma que vivemos. Quem vive sob a ótica do pensamento em rede o mundo das mídias sociais sabe que é muito comum a lógica do mash-up, do meme e da resignificação de mensagens. O reaproveitamento de conteúdos produzidos por terceiros é uma prática que vai contra a lógica tradicional do direito autoral, este por sua vez, construído sob um paradigma diferente do que está se implantando.
Porém, no caso de "Colegas", não se trata apenas de um meme ou re-aproveitamento de conteúdo. Há uma característica da qual discordo que é a manipulação e envolvimento dos usuários da rede e de uma personalidade pública, sem deixar claro e evidente seu propósito publicitário. Esse é um ponto negativo de toda uma estratégia publicitária que, como citei antes, possui também vários outros pontos positivos. A campanha #VemSeanPenn foi criada pela AgênciaClick, que já criou muitas outras campanhas de sucesso nas redes sociais. É uma das pioneiras no meio digital que respeito.
É sim muito interessante como nesse caso, foi possível unir o lançamento do filme com a realização do sonho do protagonista. Usuários comuns e personalidades se emocionaram e se mobilizaram na campanha #VemSeanPenn.
Ainda assim, vale sempre a reflexão e o cuidado de - como - fazer uso da imagem de terceiros. Considero importante a discussão desses temas pois é assim que aprendemos e construímos os fundamentos dessa nova linguagem das redes, que está ainda apenas engatinhando.
Olá, fiquei muito incomodada com a campanha (acho que esse é o nome mais correto) #venseanpenn, e seu texto foi o primeiro que vi problematizando o que parecia lindo e fofo a todos.
ResponderExcluirEu acrescentaria a seus questionamentos:
- quais os limites da ética ao usar uma síndrome como apelo emocional para o público? Em outras palavras, usar o ator com Down não é um pouco como aquelas mães que levam suas crianças para pedir esmola?
- Quem é o mais interessado nesse viral? O ator que quer conhecer seu ídolo ou os produtores do filme?
Enfim, parabéns pelo texto lúcido e bem informado.
Eu discordo em alguns pontos, a publicidade está para divulgar e comunicar. A forma de comunicação utilizada não de hoje algo agressivo como grandes marcas de cigarro, bebidas alcoolicas,fast food e produtos que não fazem bem a saúde.
ResponderExcluirAchei a ideia do #vemseanpenn fantástica por meio das redes socias podemos atingir alguma pessoa aparentemente impossível, ainda mais não na parte comercial e sim da história do garoto em realizar seu sonho, isso que importa na campanha, se o filme vai ganhar mais ou menos é insignificante pela luta desse garoto.
Sobre ele se sentir incomodado??? acho muito difícil acredito que seria uma honra ele receber essa mobilização independente dele poder vir ou não, se ele gravar um video de sua casa de 1 min falando já seria uma conquista. Referente se já estava combinado ou não, a mobilização foi feita e achei muito bem feita.
Na época do politicamente correto, tudo deveria favorecer o correto ou ajudar as pessoas a realizarem seus sonhos, isso que importa.