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As Caixas Pretas da Apple


Confesso que, até hoje, nunca tinha comprado um produto da Apple. Gosto da empresa e da forma como ela administra sua marca; mas não gosto da estratégia que adota para seus produtos. O único produto que me convenceu foi o iPad, ainda assim, mais por uma questão de pesquisa mercadológica do que pelo produto propriamente dito.

Prometo em breve fazer um post ressaltando como a Apple sabe trabalhar muito bem, por exemplo, a questão do índice semiótico dentro da sua comunicação de marca e produto. Por hora, quero falar sobre as "caixas pretas" do filósofo Vilém Flusser.

Já comentei sobre ele antes. "A Filosofia da Caixa Preta" é um livro dos anos 80 em que Vilém Flusser discute as conseqüências do avanço tecnológico, utilizando a fotografia como objeto de estudo.

Para Flusser, estamos nos tornando "funcionários" das máquinas. Com a automatização dos aparelhos eletrônicos, nos tornamos apertadores de botão, sem saber ao certo como aquele aparelho funciona.

O exemplo utilizado pelo filósofo é a máquina fotográfica. Basta apertar um único botão e a foto é registrada. Atualmente, toda a regulagem, desde o foco até o tempo de exposição são programados automaticamente pelo aparelho. Essa máquina é a "caixa preta" do Flusser, pois não precisamos mais saber o que acontece lá dentro e mesmo assim, somos capazes de tirar fotos excelentes. As mais modernas chegam a captar a imagem assim que o fotografado sorri. Ou seja, resta ao "funcionário" apenas posicionar o aparelho.


É claro, isso tem suas vantagens. É essa a lógica que a Apple sempre priorizou para seus produtos. Resumir toda a operação em um único botão. Simplificar ao máximo para que um leigo seja capaz de operar um iPhone ou um iPad.

Em nome da simplicidade e da usabilidade, a Apple cria produtos completamente fechados. Essa estratégia claro, facilita a utilização do sistema. A maior parte da população fica agradecida, mas quem pretende usar o equipamento para além daquilo a qual foi projetado, não consegue.

Voltemos ao caso da fotografia. E quando você quer fazer fotos diferentes daquelas para qual a máquina fotográfica foi preparada? E se eu quiser, propositalmente, aumentar o tempo de exposição da foto? Não é possível. Ficamos presos ao mundo da padronização e do conhecimento superficial.

A "caixa preta" é emburrecedora. Para fugir desse processo é preciso abrir a caixa. Branquear aquilo que era obscuro. Apelar para o jailbreak.

O jailbreak não deveria ser necessário. Deveríamos ter o direito de operar o iPhone e o iPad da forma como bem quiséssemos. E esse é o único ponto que me fez evitar os produtos da Apple até hoje.

Jaron Lanier segue um discurso semelhante em seu livro "Gadget - Você não é um aplicativo". No caso dele o olhar se volta para as redes sociais.

Orkut, Facebook e Twitter possuem algo em comum. São plataformas que padronizam nosso movimento pelo meio digital. Para fazer parte de uma rede social é preciso construir um "profile", seguindo parâmetros pré-determinados. A liberdade para criação é restrita.

Vejo um potencial transformador muito grande nas redes sociais. Por outro lado, é importante ficar atento, pois estamos padronizando - e superficializando - o potencial do meio digital. Pense nisso.

OBS: Abaixo um comercial de 2010 da Panasonic Lumix G2 que faz piada justamente dessa "vantagem" em não precisar dominar a técnica:




Crédito da imagem: ivyfield

3 comentários:

  1. M. Borgomani1:53 PM

    Eric, me permite discordar de quase tudo? Explico:

    Ter uma super camera não faz de vc um super fotógrafo... Aliás, não faz de vc nem meio fotógrafo. Não vamos falar de Cartier-Bresson e Steve McCurry que se tornaram mitos operando meras "SLR's" (hoje, modinha entre os moderninhos-vintage). Os tempos são outros e não adianta, não vamos mais tirar fotos com "pinholes" (a menos que vc compre uma por hobby em lojas como PhotoJoJo e Etsy). Cameras que fazem tudo pra vc existem porque nem todas as pessoas são fotógrafas, assim como nem todos somos publicitários, etc. Se eu fosse fotógrafa profissional me sentiria ofendida se qualquer um com uma DSLR em mãos fosse considerado fotógrafo, mas os avanços tecnológicos são inevitáveis. Isso não quer dizer nada, além do óbvio: os tempos são outros. E não, se seu flickr é cheio de fotos tiradas usando "instagr.am" eu não acho que vc seja um fotógrafo (ou que vc saiba tirar fotos).

    A Apple faz máquinas excepcionais. Não estou dizendo isso porque sou uma "MacFanGirl", mas pq uso Mac para trabalhar com minhas fotos e não acho que qualquer PC supere a usabilidade de um Mac. Acho que existe uma linha bem tênue entre "emburrecer" e "tornar user-friendly". A Apple faz isso com maestria. E vou dizer com conhecimento de causa, não é mais fácil usar um Mac quando vc está acostumado com um PC, mas uma vez que vc aprende, não existe nada que supere.

    E que tal falarmos de Photoshop (e os demais aplicativos Adobe)? Como eu disse, avanço na tecnologia é diferente de "emburrecimento". Emburrecer é opcional, os avanços, não. Acredito, inclusive, que é mais difícil aprender hoje em dia, do que era há 20 anos, porque hoje a cada minuto existe uma coisa nova, e vc tem que aprender "all over...".

    Acho que Flusser tinha um bom argumento, mas isso foi lá, nos anos 80. Vc não vai mais conseguir ficar longe de aparelhos eletrônicos que tenham tela touch, vc não vai mais conseguir comprar aparelhos que não façam tanto por vc, vc não vai conseguir ficar sem instalar um aplicativo "pirata" no seu PC e não vai deixar de fazer "jailbreak" no seu iPhone porque o mundo caminhou pra isso. Isso não quer dizer que estamos emburrecendo, mas acompanhando o tempo. Como vc disse, é tudo uma questão de "branquear"

    (Sobre o vídeo da Lumix, acho sensacional a idéia - do vídeo - mas não acredito que quem entenda do que está fazendo vá fazer uso dessas "vantagens". Granted, a Lumix não é a única que oferece todos os modos automáticos. Já as sobre estratégias de mkt da Apple, sou leiga).

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  2. Mariane! Eu concordo com quase tudo do seu comentário. É essa reação que epero causar tb em pessoas leigas em fotografia, e nao só em pessoas que sāo experts como vc.

    Discordo que Flusser tenha ficado no passado. Ele é mais atual do que nunca. Ele entendeu essa nossa época em que a tecnologia está tão avançada que pode causar a ilusão de que não é mais necessário pensar.

    Aquele que vai atrás para dominar uma linguagem, aquele que sabe tirar o máximo de um photoshop, aquele que usa jailbreak ou aquele que consegue filmar um curta com um iphone. Todos esses abandoram o lugar comum do "funcionário" e foram branquear a caixa preta.

    Mas o discurso da usabilidade e de produtos como iphone e ipad podem ser perigosos. Corremos o risco de não ver mais tantas pessoas dispostas a subverter o sistema para obter um resultado inesperado. Temos chance sim de ver crescer o número de funcionários.

    Textos como o meu surgem para provocar e lembrar que não podemos nos deixar acomodar.

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  3. Definitivamente!
    Adorei seu texto e entendi perfeitamente o que vc quis dizer.

    Eu vejo uma mudança no mercado da Apple de uns anos pra cá. Antes eles tinham como alvo profissionais como filmmakers, fotógrafos, designers, enfim, pessoas que precisavam de um equipamento mais "forte". Isso mudou muito! Os computadores, celulares, iPods, adquiriram formas mais acessíveis (MacBook, iPod shuffle, ao invés do Classic de 32GB), para pessoas "comuns". Com isso também aconteceram mudanças na interface Apple. Os key-notes da Apple causam alvoroço tanto em quem nunca usou um Mac quanto em quem usa há anos. Essa é a idéia, acredito. Mas concordo, é perigoso. Quem nunca usou acha maravilhoso que quase tudo possa ser feito com dois dedos no trackpad, e quem já usa acha maravilhoso pelo mesmo motivo, mas a diferença é que um reaprende e o outro nunca vai saber fazer de outro jeito.

    Tenho sorte de ter mais de 25 anos (rs), porque vivi na época em que tudo era manual e hoje consigo usar minha Pentax K1000 e minha Canon 60D da mesma forma, para os mesmos fins, e não escrevo em linguagem preguiçosa de MSN, porque quando aprendi a ler e escrever isso ainda não existia.

    O mundo está um perigo para o aprendizado, Eric!
    (E parabéns pelo texto!)

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